“Há cuspidores de fogo, malabaristas com archotes, saltadores à corda em chamas e adeptos de toda uma miríade de instrumentos.”

São onze horas da noite. A silhueta feminina rodopia uma última vez, ao ritmo dos tambores, num êxtase de voluptuosidade, envolta nas chamas que se extinguem, acabado o combústivel líquido que nos últimos cinco minutos deu vida aqueles archotes.

Acabámos a assistir a mais um encontro da Tribo Fuego, um nome curioso para um grupo de amigos e fãs das lides do fogo exclusivamente checo. Reúnem-se todas as duas semanas, sempre às Quarta-feiras, e em locais diferentes. O ritual repete-se entre Maio e Outubro, enquanto as condições climatéricas são potencialmente positivas.

O grupo reúne-se num ponto que é anunciado apenas com umas semanas de antecedência, perto do ponto idealizado para a perfomance. Chegada a hora, a “tribo” desloca-se, sem palavras, num movimento espontâneo. É melhor segui-los, porque se perder a oportunidade poderá falhar o espectáculo. Umas centenas de metros mais à frente, num qualquer parque ou jardim de Praga, bem longe das hostes de turistas, forma-se um círculo. Os tocadores de tambores aquecem os pulsos, com toadas mais brandas. Os primeiros charros acendem-se e a cerveja e outras bebidas que foram trazidas até ali são saboreadas.

As pessoas que participam nos rituais de fogo, como de resto a maioria da audiência, são muito “alternativas”. Nota-se nas roupagens, nos penteados. Alguns cães correm pelo perímetro, brincam ou lutam, conforme as ocasiões e o que os odores uns dos outros inspiram. Não estranhe se for abordado por alguém para dois dedos de conversa. Os checos que participam nestas reuniões ficam sempre muito intrigados sobre a presença de estrangeiros. Sem hostilidade. Apenas não esperam encontrar visitantes vindos de paragens distantes numa reunião, digamos, tão intimista.

E nisto, iniciam-se os movimentos de fogo. Alguns, abordam a actuação ao melhor estilo circense, enquanto outros presenteiam a audiência com verdadeiras coreografias, centrando-se no aspecto artístico, na dança. Há cuspidores de fogo, malabaristas com archotes, saltadores à corda em chamas e adeptos de toda uma miríade de instrumentos que em comum têm só uma coisa: estão a arder. O interior do círculo enche-se e esvazia-se sem uma ordem definida. Nunca se esvazia por completo, mas ora está uma multidão de artistas, em números a solo ou em pares, ora apenas um ou dois evoluem, enquanto os camaradas param para descansar ou reabastecer os instrumentos com mais combustível.

Talvez o sucesso da noite dependa dos tocadores de tambores, que estabelecem o ritmo, não parando nunca, mesmo quando têm que descansar por uns minutos: a cada baixa, logo outro toma o lugar deixado vago, entrando no ritmo em questão de segundos. São eles – e o clarão que pode ser visto a alguma distância – que servem de farol aos adeptos atrasados, que não conseguiram chegar a tempo ao local da reunião.

Os espectáculos de fogo iniciam-se por volta das nove, quando a escuridão cai sobre a cidade, e terminam antes da meia-noite, na prática, quando o cansaço aperta e o combustível acaba.

Todas as informações práticas sobre os espectáculos de fogo podem ser encontradas na versão em inglês do site  da Tribo Fuego. Agenda completa para a temporada, locais e horas de encontro. Não perca!

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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