Tenho que reconhecer que quando iniciei este blog não gastei muito tempo a sistematizar, a definir estilo e conteúdos. À primeira vista poderia ser um diário, quase pessoal. Por acaso os textos não têm trilhado muito esses caminhos, mas hoje é o que vai acontecer. E então vamos lá a isto…

Pois estava eu muito bem descansadinho num serão que se parecia com um outro qualquer, no Domingo passado, quando começo a sentir uma dorzita na base de um dente. Nem foram precisos dez minutos, seiscentos míseros segundos, para que a dorzita que talvez não fosse nada se encorpasse e se transformasse numa evidente infecção. Na manhã seguinte a coisa era já ameaçadora. E é nestas alturas que sentimos o que é estar numa terra que não é a nossa. Onde ir, a quem pedir ajuda… racionalizar… preciso de alguém que fale inglês e que não me cobre os olhos da cara por uma coisita destas. Só preciso de uns antibióticos, pensava eu. Apenas para me aguentar mais duas semanas, e depois vou nas calmas à minha dentista habitual. Bem, pesquisa na Internet, dicas de amigos e acabo por telefonar para um consultório de uma dentista com aspecto simpático, website em inglês, bem organizado, com preços e tudo. Aqui, as coisas são um bocado diferentes do que se passa em Portugal. Os médicos fazem questão de comunicar com os pacientes e potenciais pacientes logo desde o primeiro momento. Já tinha achado estranho quando no ano passado em busca de uma consulta de especialidade, me tinham dado o número de telemóvel do médico e “agora fala com ele e entendam-se”. Desta vez foi quase a mesma coisa, mais especificamente “a minha médica já te telefona de volta”. Ora o de volta levou duas horas, mas quando chegou foi uma alegria. Sim, era possível marcar uma visita para o próprio dia, daí a duas horas e meia.

Agora, abre parêntisis. Tinha uma reunião com uma cliente, e estava-me aliás a dirigir para o café onde tinhamos combinado o encontro quando me telefona a dentista. Feitas as contas, equacionadas as hipóteses, decidi mesmo assim apresentar-me ao trabalho. Achei que tinha tempo. Dos negócios não contarei detalhes, mas após despachar o assunto do dia, ficámos um pouco à conversa, para minha grande sorte. Ali em quinze minutos, levei uma aula práctica de como iniciar um negócio na Chéchia. E como as condições são mais favoráveis do que em Portugal! É verdade que a burocracia checa é lendária… mas os termos gerais, meus senhores, que delícia. Vamos resumir. Para ser empresário em nome individual, aquilo que sou em Portugal, basta ir às Finanças, largar 1000 Czk (40 Eur) e está feito. Só que aqui pode-se trabalhar no que apetecer. Não há cá categorias. Posso ser informático, mestre pasteleiro e guia turístico, ao mesmo tempo. O Estado não quer saber. Desde que se pague os impostos. Depois, Segurança Social e SNS, são para baixo de 75 Eur por mês. IVA, só se paga se se chegar a 40.000 Eur por ano. É mesmo isto que eu quero. Adeus Estado Português, do meu não vais ver mais durante uns tempos.

Sai do Sudicka com um sorriso na boca e um olho no relógio. Tinha que estar do outro lado da cidade dentro de vinte minutos. Um percurso que de eléctrico levaria uns 30 minutos. Mas estava satisfeito, sentia-me uns mãos largas e decidi conceder-me um mimo: chamar um táxi. Uh oh! Big mistake! Não tinha noção do inferno que é o trânsito nesta cidade. Tomar nota mental: está reconfirmado que nunca quererei um carro na minha vida checa. Quarenta minutos e 16 Euros (!!!) depois, cheguei.

E aquilo foi só “boas” notícias. O dentinho que tinha perdido a “coroa” artificial do outro lado da boca, era para arrancar. E aquele que me doia… oh, isso era uma “big big infection”. Ora desde pequenino que aprendi que em dente infectado não se toca. Primeiro os comprimidos, e depois então vai-se ao castigo. Não aqui. Saca da parafernália, e lá vai disto, para meu horror, desprovido para preparação psicológica elaborada que sempre preciso para me sentar voluntariamente na cadeira da verduga. mas tenho que reconhecer: não foi assim tão mau. Ali no castigo com duas checas giraças, uma loura e outra morena, como cantava o saudoso Marco Paulo. Não foi mau até à hora da conta. Pois então lá vai disto, mais 80 Eur. Feitas as contas, a alegria da conversa de café estava quase a entrar em terreno negativo. Pus-me na alheta, e ainda fiquei a dever 100 Czk, que não levava tamanha fortuna na carteira. Fica para a próxima, que pelo menos duas visitas posteriores são necessárias para terminar com o dentinho infectado. Arrancar o outro nem quero pensar para já, deixa-o estar.

E quando cheguei a casa, a coisa estava negra. A doutora tinha toda a razão. “Big, big infection”. Dizia ela que para 4ª Feira me sentiria melhor. E eu não quis adiar a cura. Fui logo servir-me dos antibióticos à farmácia mais próxima (vá lá, alguma coisa em conta neste dia de despesismo – 7 Eur) e de papas de bébé para os dias complicados que se avizinhavam.

A partir daqui foi hibernar durante 3 dias. Dormir, antibiótico. Ler, dormir. Internet. Antibiótico. Dormir. E aqui estou eu, hoje. Depois do despertar dos dias negros. Levantei-me, arrumei o quarto, lavei a louça. Fui jantar fora, que bem merecia uma carninha. Depois, experimentar uma casa de chá que é uma categoria, mesmo aqui ao virar da esquina. Finalmente, foi chegar a casa de pança cheia, acender velas à farta, e colocar a musiquinha calma de Diana Krall, enquanto o aquecedor fazia o seu trabalho e elevava a temperatura para níveis muito, mas muito, agradáveis.

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Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

3 Comentários

  1. Tá tudo muito bem… a Diana Krall é que estragou tudo!
    🙂

    Boa sorte com o Estado daí!
    Sempre achei uma grande parvoíce: a obrigatoriedade de escolher uma categoria para ser empresário.

    As melhoras.

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