A área de Milovice tem uma longa tradição militar. Já durante a Primeira República da Checoslováquia, criada após a Primeira Guerra Mundial, diversas unidades do recém criado exército da nova nação foram instaladas por ali. Depois veio a Segunda Guerra Mundial e a anexação alemã. Durante esses anos a Luftwaffe utilizou a base aérea de Milovice, mas foi após a invasão soviética de 1968 que a importância estratégica de Milovice atingiu o apogeu. Ali ficou instalado o quartel-general do Corpo de Exércitos Central da União Soviética, num bunker que poderemos ter a oportunidade de visitar.

Chega-se à aldeia de Milovice através de comboio, depois de um transbordo a meio caminho de Praga, numa viagem que dura pouco menos de uma hora. A caminhada até ao início do perímetro militar é simples e curta. Ali, podemos começar a explorar os primeiros vestígios da ocupação soviética, com alguns pequenos edifícios perdidos entre a folhagem da floresta que vai agora cobrindo a área de apoio, assim como uns quantos abrigos subterrâneos e estruturas de armazenamento semi-enterradas.

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Após este primeiro contacto entraremos na área da base aérea, atravessando a pista de onde ainda há duas dezenas de anos descolavam os MIG-29 pertencentes ao 114º Regimento de Interceptores, com as miras colocadas no espaço aéreo ocidental. Por ali se encontram os hangares em betão armado, dispersos como conviria para enfrentar a concentração de fogos em caso de ataque (fotografia no topo).

A partir daí internamo-nos no aglomerado de casas da base. É um labirinto de estruturas, habitações e escritórios. Numa parede cravejada de balas recolhem-se ainda os restos dos projécteis disparados ao desbarato pelos soldados que abandonavam a base, em 1989. Mais à frente, caixotes pejados de revistas de propaganda soviética, uma pilha impressionante de garrafas de vodka esvaziadas e resmas de documentos redigidos em cirílico.

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Noutros locais, os fantasmas têm um toque mais pessoal: recortes de jornais, inscrições referentes a “instituições ocidentais” como a Coca-Cola e Bon Jovi. Mas um dos momentos mais impressionantes sucede quando desembocamos num bairro habitacional completamente abandonado, a fazer recordar o cenário de um filme pós-apocalíptico. São edifícios de apartamentos com quatro ou cinco andares, completamente abertos… o visitante é livre de explorar… vai encontrar papel de parede arrancado, com jornais russos dos anos 80 a servir de isolamento… sobre os telheiros de entrada, pequenas árvores encontraram a fonte de subsistência para crescer timidamente.

Terminadas as ruas onde os militares soviéticos passaram alguns anos das suas vidas, encontramos o centro recreativo. É fácil de identificar o antigo cinema, com o seu plano inclinado e a fenda por onde outrora um projector exibira filmes de propaganda cuidadosamente seleccionados.

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Partimos então numa caminhada que nos conduzirá a uma outra área militar, cruzando blocos de habitação entretanto construidos, novinhos em folha, alguns ainda à espera de serem vendidos. Usufruímos da calmaria do campo, passamos junto a um abrigo de caça de veados, e acabamos por chegar a uma outra área militar. Aqui a visita não está assegurada. Por vezes joga-se paintball, e nessas ocasiões é melhor mantermo-nos afastados. Se o terreno estiver livre, visitaremos o bunker que abrigava o quartel-general do Grupo Central de Exércitos da União Soviética.

Já no caminho de volta cruzaremos um bosque magnífico, como raramente se vêem no nosso país. Atravessaremos uma última vez a pista de aterragem, onde poderemos facilmente imaginar o rugido ensurdecedor dos caças de outros tempos, quando Milovice fervilhava de actividade. Para terminar o dia, teremos oportunidade de tomar uma refrescante cerveja, acompanhada com queijo marinado, num pub perto da estação de comboios e conversar sobre um dia certamente bem passado.

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Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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