“Foi sucessivamente pintado, e câmaras de vigilância foram instaladas. A presença policial foi intensificada (…). Mas nenhuma destas medidas conseguiu manter os estudantes afastados, e as palavras de ordem e os poemas regressaram sempre.”

Até 1980, a pacata praça Velkoprevorske era conhecida apenas por oferecer guarida à embaixada francesa. Este local, perdido no bonito bairro de Mala Strana (“bairro pequeno”), não tinha absolutamente nada de diferente. Mas a  8 de Dezembro desse ano, quando John Lennon sucumbiu, abatido pelas balas assassinas disparadas pelo tresloucado Mark David Chapman, um grupo de jovens checoslovacos decidiu espontaneamente homenagear o ex-Beatle. Por essa altura a música ocidental encontrava-se banida da Checoslováquia, e este tipo de acções era punível com prisão, sob a acusação de actividades subversivas contra o Estado.

Isso não impediu os admiradores de Lennon de construir um túmulo simbólico, pintando graffiti e escrevinhando poemas do músico numa parede que delimitava o terreno de uma velha igreja do século XIX  – propriedade da Ordem de Malta, que até hoje mantém a autorização para a permanência das pinturas – e apesar dos esforços das autoridades, o muro nunca mais voltou ao seu branco original.

Foi sucessivamente pintado, e câmaras de vigilância foram instaladas. A presença policial foi intensificada, com a colocação de um agente em permanência junto ao controverso muro. Mas nenhuma destas medidas conseguiu manter os estudantes afastados, e as palavras de ordem e os poemas regressaram sempre.

Todos os anos, no dia de aniversário da morte de Lennon, foram realizadas marchas, por vezes promovidas por movimentos dissidentes e com relativa conotação com o Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se celebra a 10 de Dezembro. Os confrontos com a polícia de choque eram inevitáveis e sucederam-se até à queda do regime comunista em 1989. Até então, os jovens haviam sido classificados pelo governo de  Gustav Husak de sociopatas, alcoólicos e agentes do imperialismo ocidental, num discurso em conformidade com os padrões da época.

Provavelmente nunca serão determinadas as razões que levaram os pioneiros do movimento a escolher esta parede para prestar a sua homenagem a John Lennon. É possível que o nome inicial da Ordem dos Cavaleiros de Malta – Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusálem, possa ter sido a inspiração que conduziu os ousados jovens até ali; ou a existência de uma estátua de São João Baptista mesmo ao virar da esquina. Mas o testemunho de um jornalista ocidental que residia na cidade  desde os anos 70 indica que já desde então havia adolescentes a escrever inscrições naquela parede, embora sem conotações políticas – poemas sobre amigos falecidos em acidentes de carro ou de overdose, para referir apenas um par de exemplos.

Em 1998 a Ordem dos Cavaleiros de Malta e o John Lennon Peace Club levaram a cabo uma polémica obra, que retirou o acesso à reentrância que em 1980 foi escolhida para construir o túmulo simbólico de Lennon, e a parede, que entretanto se encontrava degradada pela retirada permanente de pedaços, levados a título de recordação por turistas pouco conscienciosos, foi renovada. Os escritos da década de 80 e a inscrição feita pessoalmente por Yoko Ono, que de qualquer modo já se encontravam submersos por camadas incontáveis de participações, desapareceram para sempre.

Actualmente o muro encontra-se coberto com graffiti, mas do movimento inicial apenas resta o espírito. As pinturas que podem ser vistas no local são controladas pela Ordem de Malta – que tem eliminado os trabalhos de maiores dimensões e as inscrições que não merecem a aprovação da Ordem –  e as mensagens perderam a profundidade dos escritos originais.

Como ir: Bem no centro, alcança-se facilmente a pé.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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