“Será no Outono que a envolvência atinge o clímax, com todo o solo a cobrir-se por um denso tapete vermelho, que vai crescendo à medida que ainda mais folhas se desprendem dos ramos, lá altos, da floresta.”

Praga é uma cidade de amplos espaços verdes. Não só de tradicionais parques urbanos, uns maiores que outros, com todas as infra-estruturas que se esperariam em tais áreas, mas as verdadeiras pérolas, raramente encontradas nas grandes capitais europeias, são outras: as extensas florestas, bem no coração da cidade, seguras, belas, repletas de vida selvagem.

Uma das mais apreciadas pelos habitantes de Praga é formalmente chamada de Parque Natural de Divoká Šárka, e estende-se por uma vasta área, a este da grande artéria que liga o centro da cidade ao aeroporto. O seu nome significa algo como “indomável Šárka”, numa alusão mítica a uma heroína do Século VI ou VII. Segundo reza a lenda, por essa altura o poder encontrava-se nas mãos das mulheres, sob a orientação da princesa Libuse.

Com o falecimento desta, os homens rebelaram-se, e o “partido” das mulheres estabeleceu-se na zona norte da actual Praga. Num período marcado por uma aparente guerra civil, as mulheres levavam a melhor nas refregas, até que o jovem Ctirad, apontado pelo principe Premsyl para liderar as forças masculinas, começou a revelar capacidades militares que preocuparam Vlasta, a sucessora de Libuse. Então, a sua ajudante Šárka ofereceu-se para armar uma cilada a Ctirad.

Os pormenores divergem, mas terá sido no lugar onde hoje se localiza este parque que Ctirad sucumbiu às mãos de Šárka, o que de resto não foi de grande vantagem, uma vez que Premsyl acabou mesmo por levar a melhor. Por fim, Šárka ter-se-á suicidado, atirando-se do topo de um dos rochedos aqui existentes. As causas apontados para o suicídio variam: uns dizem que ela se apaixonou pela sua vitima e desistiu de viver sem ele; outros, que Šárka simplesmente não conseguiu enfrentar a desonra da derrota eminente.

Tenha lá sido como for, a verdade é que hoje temos aqui um belo espaço. A forma mais simples de chegar é de autocarro, saindo na paragem Divoká Šárka, facilmente reconhecível pelo enorme Mc Donalds à beira da estrada. Depois, o caminho é evidente. Daqui para a frente estará por sua conta. O parque é imenso (cerca de 4km de comprimento por 2 km de largura), mas não creio que corra risco de se perder para não mais tornar a ser visto.

No seu interior correm alguns cursos de água fresca, com especial destaque para a ribeira Šárka. à deusa com o mesmo nome. Os trilhos internam-se na floresta, contornando montes e rochedos, por vezes conduzindo até ao seu topo. Algures, poderá encontrar um complexo de piscinas públicas, muito apreciadas pelos habitantes de Praga durante o Verão, até porque as suas águas provêm directamente dos caudais frescos das ribeiras que ziguezagueiam pelos terrenos do parque.

Não se admire se avistar um ou outro veado selvagem, que fugirá à sua aproximação; passear em Divoká Šárka é um sonho que não está alcance dos habitantes das grandes cidades portuguesas. A beleza natural que emana de um bosque destes é algo que não pode ser descrito por palavras, e mesmo as fotografias não farão nunca jus ao ambiente que ali se encontra. As árvores, altas e frondosas, oferecem uma sombra quase permanente. Mas será no Outono que a envolvência atinge o clímax, com todo o solo a cobrir-se por um denso tapete vermelho, que vai crescendo à medida que ainda mais folhas se desprendem dos ramos, lá altos, da floresta.

Apesar dos habitantes de Praga apreciarem bastante Divoká Šárka, a sua extensão e a existência de outras ofertas semelhantes permitem um passeio repousado, sem encontros constantes com outros humanos.

Aqui e acolá um pequeno banco pode ser encontrado, num convite irrecusável para uma breve pausa, quiçá para uns momentos de leitura, ou apenas para parar e escutar os sons da natureza: o restolhar dos ramos ao sabor do vento, o cantar da passarada, o esquilo que célere sobe pelo tronco do enorme carvalho.

Em Divoká Šárka as mais incríveis experiências podem suceder. Um dia deparei-me com um pastor, um jovem de aparência letrada, que tocava flauta para o seu rebanho misto, de cabras e ovelhas. Sentei-me ali por perto, ele esboçou um ligeiro sorriso, e enquanto me deliciava com um banho de sol e escutava aquela encantada música, parecíamos fazer parte de um mesmo mundo mágico. O encantador flautista, os animais… e eu… todos partilhando em serenidade da companhia uns dos outros.

Como ir: Vá até  Nadrazi Veleslavin usando a linha verde do Metro. Apanhe o autocarro 119, para o aeroporto (se regressar de avião já fica a saber como é) e saia na paragem Divoká Šárka, facilmente identificável pelo McDonalds mesmo defronte.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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