“Em 1989, deu-se a última execução, de Vladimir Lulek, um outro assassino em série que ceifou a vida de cinco pessoas.”
Uma prisão é por natureza um local obscuro e desagradável, que o comum dos mortais tende a evitar. Contudo, há prisões que despertam a curiosidade, e uma vontade irresistível de ver com os próprios olhos pode brotar. Talvez não junto daqueles que se limitam à viagem turística tradicional, mas quem gosta de sentir a história e as estórias para além dos postais ilustrados, um local como Pancrác terá muito a contar. Num país com uma vida tão conturbada como a República Checa, uma prisão torna-se inevitavelmente o palco de acontecimentos determinantes.
Desde a inauguração do complexo prisional de Pancrác, Praga foi cidade do Império Austro-húngaro, capital de um país independente, centro da ocupação nazi, coração da rede opressiva de um regime comunista e de novo a capital de um país restaurado. Durante estes 120 anos, as celas de Pancrác viram passar as mais ilustres figuras da oposição aos regimes vigentes e testemunharam execuções dramáticas. Com este artigo, pretendo recriar a história da prisão de Pancrác e, quem sabe, estimular o seu apetite para uma visita à sua periferia.
Os Primeiros Tempos
Pancrác foi inaugurada em 1889, em substituição da decadente prisão de São Venceslau, localizada em Karlovo namesti. Inicialmente a prisão tinha lotação para 867 reclusos. Foi a primeira prisão moderna na área que hoje é a República Checa, tendo sido implementada num lote de cerca de 14 hectares junto a Nusle. Note-se que apesar de hoje Pancrác se encontrar num segundo anel a partir do centro da cidade, em finais do século XIX a sua localização era claramente no exterior da cidade.
Com o tempo, o espaço evoluiu, tendo desaparecido algumas estruturas e sido criadas outras: a padaria e a enorme lavandaria nas traseiras do complexo já não existem; a igreja foi encerrada em 1950, na linha anti-religiosa das novas autoridades comunistas; o hospital presidiário cresceu (neste momento tem capacidade para 111 doentes) e atualmente existe uma área desportiva que não estava lá nos primórdios; em 1930 um tribunal foi anexado ao complexo.
A Primeira República e a Anexação Alemã
Com a criação da Checoslováquia, a prisão foi alargada, passando a albergar prisioneiros comuns (inicialmente era considerada uma prisão de alta segurança reservada para os reclusos mais perigosos e temidos) com uma nova lotação de 1169.
Em veio 1938 e a ocupação nazi. Pancrác foi então dividida em três secções distintas: uma, servindo o sistema judicial checo, outra, o alemão, e uma terceira, administrada autonomamente pela Gestapo. A lotação passou oficialmente a cifrar-se em 2200, tornando-se na maior prisão do país. Nos primeiros anos, a prisão foi utilizada como centro de distribuição, por onde os detidos transitavam antes de seguirem para campos de concentração onde eventualmente viriam a ser mortos.
A partir da Primavera de 1943 os alemães começaram a efectuar execuções em Pancrác, reservando para o efeito três celas, uma delas equipada com guilhotina. Em apenas dois anos, entre 5 de Abril de 1943 e 26 de Abril de 1945, foram ali executadas 1079 pessoas. Segundo os relatos da época, o processo era deveras célere: em apenas três minutos, o prisioneiro era retirado da sua cela, julgado e conduzido à sala de execução. O macabro cerimonial era levado a cabo por uma equipa de executores constituída pelo líder, Alois Weiss, um alemão, e por quatro ajudantes, dois alemães e dois checos.
Com o aproximar do final da guerra, os alemães desmantelaram a guilhotina e lançaram-na às águas do Vltava, mas a população de Praga recuperou-a. Os executores alemães conseguiram escapar para a Alemanha Ocidental (de onde nos anos 70, Alois Weiss exigiu o pagamento de uma pensão à Checoslováquia sob o pretexto que nos anos da guerra trabalhou para o Estado Checo) mas os dois executores checos foram capturados e executados… em Pancrác.
Depois de 1948: O Regime Comunista
Com a libertação do jugo alemão, o número de execuções reduziu-se, mas a infâmia manteve-se. Após a tomada do poder por parte dos comunistas, uma série de oponentes políticos, reais ou imaginários, foram condenados à morte e executados por enforcamento.
O processo de Milada Horakova, cuja sepultura pode ser visitada no cemitério de Vysehrad e que durante os anos de ocupação alemã esteve detida em Terezin, foi um dos mais escabrosos. As ondas de choque do episódio chegaram aos dias de hoje: apenas há um par de anos a promotora-pública que levou Milada e tantas outras vítimas inocentes à forca, Ludmila Brožová-Polednová, foi condenada, aos 87 anos de idade, a seis anos de prisão efectiva. Mais tarde, vieram as purgas no seio do Partido.
Rudolf Margolius e Rudolf Slánský foram talvez os casos de maior impacto, mas outros comunistas foram julgados e condenados à morte durante esses tempos negros.
Claro que a par das execuções criminosas de oponentes políticos, também criminosos comuns perderam aqui a vida. Foi o caso do serial killer Václav Mrázek, responsável pela morte provada de sete vítimas, e executado a 30 de Dezembro de 1957.
Pós-Comunismo
Em 1989, deu-se a última execução, de Vladimir Lulek, um outro assassino em série que ceifou a vida de cinco pessoas.
Actualmente a prisão de Pancrác sofre de sobrelotação. Segundo dados de 2005 o número de detidos é frequentemente superior ao previsto em 25%. Mesmo assim, mantém-se como a prisão mais importante do sistema checo. No seu interior existe um pequeno museu, que contudo apenas pode ser visitado mediante marcação autorizada.
Como ir: É muito simples. O eléctrico nº 18, que corre no centro junto ao rio, deixa-o mesmo à porta, e ainda para mais é a paragem terminal, não tem nada que enganar: Vozovna Pancrác.