“Em Bohnice vamos encontrar o grande hospício, que é por si um local estranhamente belo e interessante. A calma e a quietude são pautadas pelos pavilhões que constituem o complexo”

Desconfio que a mera intenção de escrever um artigo sobre um hospital de loucos valer-me-á, a mim próprio, o epíteto de louco por parte de muitos dos leitores. Mas não posso conter este desejo de partilhar com quem aqui venha cair as maravilhas de um passeio pelo Hospital Psiquiátrico de Bohnice.

Mas comecemos pelas origens. Em 1903, ainda o Império Austro-húngaro reinava por estas partes, era instalada nas terras de Bohnice uma filial do Instituto de Terapêutica Psiquiátrica de Praga (fundado em 1844).

Em 1909, já com trezentos pacientes, ganha autonomia institucional e cresce: durante a I Guerra Mundial (1914-1918) tem 1774 camas, uma rede própria de abastecimento de água, uma estação eléctrica, padaria, cozinha e oficinas. Ainda no decorrer da Guerra é construída a igreja que hoje podemos visitar.

De resto, o hospital tal como o conhecemos ganhou a sua forma definitiva em 1924, quando foi adicionado o sanatório para doentes com recursos, uma espécie de ala VIP. Por essa altura existiam 1896 camas e trabalhavam lá um total de 950 pessoas.

A partir de 1937 as comas induzidas por injecção de insulina (apenas no início dos anos 60 esta prática em doentes esquizofrénicos caiu em desuso) vieram juntar-se as velhas lobotomias e “terapias” de choques eléctricos.

Depois da II Guerra Mundial e da tomada do poder pelos Comunistas, foi tomada a decisão de desmantelar o hospital e de transformar as suas instalações numa base militar. Contudo, apenas metade dos pavilhões seguiram esse destino. Entre 1956 e 1965 o Exército abandonou gradualmente Bohnice, durante o período em que o Dr. Dobisek (1952-1971) trouxe uma vida nova à instituição. Sob a sua égide foram adoptadas prácticas clínicas renovadas e a qualidade de gestão do hospital atingiu níveis nunca antes alcançados.

Actualmente o hospital ocupa uma área de 64 hectares (detendo mais 144 ha, substancialmente menos do que os 240 ha que chegaram a estar sob a sua administração). Nesse espaço erguem-se 88 edifícios e pavilhões, organizados de forma radial, tendo como centro um parque ajardinado em estilo inglês, onde se encontra a igreja construida sob os cânones Art Nouveau.

Apesar de um certo ambiente de abandono – ou talvez por causa disso – uma visita ao hospital é uma óptima forma de passar uma tarde solarenga. As portas estão abertas, e o visitante, depois de passar pelo edifício da recepção (não há necessidade de se identificar ou de interagir com ninguém) estará perante a igreja e um amplo espaço verde onde berços de flores lhe sorriem. Depois, é explorar. A maioria dos edifícios são nobres palacetes, trinta e seis deles pavilhões para albergar doentes.

O silêncio, a calma, a serenidade dominam. É o local ideal para vir em busca de algum isolamento, para ler, escrever ou criar, de forma geral. Todo o espaço respira uma majestosidade centenária, quebrado a tempos, com a organização de eventos algo bizarros para a natureza da instituição: o festival de rock de Bohnice, por exemplo, é um clássico, ocorrendo geralmente em Maio. Existem cafés e esplanadas, mas até determinada hora (sete, creio) não é permitida a venda de bebidas alcoólicas neste estabelecimentos.

Poderá conjugar uma visita ao complexo de Bohnice com um passeio mais arrojado, pelos trilhos da floresta, até lá abaixo, à margem do Vltava, e depois caminhar até Troja pelo passadiço marginal.

 

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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