O 17

Este é o primeiro artigo do que espero ser uma série, dedicada aos percursos de eléctrico mais interessantes do ponto de vista do visitante de Praga. Sempre que forem mais longos, serão divididos em duas partes. É o caso do 17, que neste primeiro artigo abordo com início no Teatro Nacional, em direcção a sul, ao longo do rio Vltava, até ao fim da linha,  no bairro dormitório de Sídliště Modřany. O eléctrico 17 oferece um dos mais bonitos percursos por Praga. Pretendo mostrar-lhe como usufruir ao máximo de uma viagem nesta mítica carreira. Espero que goste.

Národní divadlo

Este passeio a bordo do eléctrico 17 inicia-se na paragem que tem o nome do Teatro Nacional, e não é por acaso. Foi ali que vivi durante dois felizes anos, mesmo defronte da paragem que quotidianamente me serviu. Não será preciso chamar a atenção para o imponente edifício do Teatro, abordado a fundo neste outro artigo. Recomendo que, caso haja lugares sentados, tome um no lado direito, ou, melhor ainda, se instale de pé, na traseira da carruagem, se for uma daquelas bem antigas, com amplo espaço à ré.

Do seu lado direito verá a “slovansky ostrov”, a ilha que também mereceu um artigo neste nosso website. Logo de seguida, do mesmo lado, um dos meus pousos favoritos, o “Botel Matilda“, recentemente reforçado com uma nova embarcação pertencendo ao mesmo proprietário. É ali mesmo que se detém o eléctrico na primeira paragem do nosso percurso.

Jiráskovo náměstí

Esta é uma paragem com algum peso emocional para mim. Na minha primeira visita a Praga fiquei no Hostel Merlin, numa rua aqui por detrás. Deve o seu nome a Alois Jirasek, cuja estátua se pode observar no centro da pequena praça, do lado esquerdo. O escritor viveu na casa defronte da escultura entre 1903 e 1930, e inspirou também o nome da ponte que ali atravessa o Vltava. Mas a atracção principal deste local é a Casa Dançante e, numa nota mais discreta, a casa que lhe está anexa, onde cresceu Vaclav Havel, o primeiro presidente da Checoslováquia livre, após a queda do Comunismo. Do lado esquerdo podem ser observadas algumas das mais belas fachadas de Praga, casas de sonho, quer pelo seu requinte arquitectónico quer pela sua localização privilegiada.

Palackého náměstí

Nesta praça acaba, no meu entendimento, o centro histórico de Praga, para quem se desloca para Sul, junto ao rio. Atente nas torres do que parece ser uma igreja mas é na realidade o convento Emauzy. Verá que têm um estilo vanguardista, em claro contraste com o corpo do edifício. Isto é porque durante um dos raros bombardeamentos a que Praga foi sujeita na Segunda Guerra Mundial, uma bomba caiu ali, destruindo as torres sineiras originais. Mais tarde estas foram reconstruidas, mas com um estilo moderno, criando um conjunto bastante original.

Výton

A partir daqui inicia-se o acesso pedestre mais popular para Vysehrad. É por ali acima, a curvar para a direita, com a primeira etapa numa bonita rua de Praga. A ponte que aqui cruza o Vltava é ferroviária, mas tem dois estreitos tabuleiros para peões e ciclistas. Não é uma sensação boa, estar a atravessá-la quando passa um comboio. O barulho é ensurdecedor e a estrutura treme fortemente. Mesmo defronte da paragem existe um pequeno pavilhão; no piso térreo, que é quase uma cave, há um pub restaurante muito checo, que se aconselha, apesar de não poder esperar que o pessoal ali fale inglês. Talvez tenha que se desenrascar como for possível.

Quando o eléctrico arrancar, mantenho os olhos bem abertos. Irá passar por um pequeno túnel que é uma das imagens de marca de Praga, observável no seu melhor a partir de Vysehrad. Parece ali por cima existiam uma antigas termas, das quais hoje apenas resta uma precária parede. E depois, do lado do rio, surgirá a primeira marina de Praga, cuja água congela totalmente no pico dos Invernos mais rigorosos.

Esta paragem é também o ponto de partida para visitar uma das melhores casas de gelados de Praga e, se gostar de arquitectura, observar alguns raros exemplos da aplicação do Cubismo a esta arte.

Dois 17 cruzam-se sob Vysehrad, próximo do túnel.

Podolská vodárna

O nome é uma referência ao principal atractivo do quarteirão: a antiga central de distribuição de água, inicialmente ali construida em 1885, reconstruida entre 1927 e 1929 segundo os planos do arquitecto Antonin Engel, trata-se de um dos mais importantes edifícios industriais de Praga.

Do lado do rio inicia-se um maravilhoso trilho pedestre que se pode seguir durante alguns quilómetros, especialmente apetecível no Outono e na Primavera.

Kublov

Um pouco mais à frente vamos encontrar o principal complexo de piscinas de Praga, bem junto à avenida marginal, no sopé de uma colina cujo topo é ocupado pelos edifícios da televisão estatal. Têm um design retro, com um forte sabor a anos 60-70, mas, diz quem as utiliza, estão ainda em grande forma. Na realidade estas piscinas encontram-se a meio caminho entre Kublov e a paragem seguinte.

Do lado do rio poderá ver uma das ilhas menos populares, pacata, tranquila. O seu nome é Veslarsjy e pode ser acedida através de uma ponte no seu extremo norte.

Dvorce

Uma paragem sem grandes atractivos, apesar de ser um ponto de acesso tão válido como a anterior para os locais já mencionados. Mas já que aqui estamos, e considerando a hipótese remota de apetecer ao leitor sair, mencionaria que na avenida (Jeremonvka) que sobe a partir daqui, logo no início, do lado esquerdo, encontra-se um edifício deveras interessante: trata-se de um sobrevivente da antiga Dvorce, inicialmente construido em meados do século XIX.

Přístaviště

Daqui vai-se a um dos cantinhos que muito aprecio nesta cidade: Dobeska. Observe-se o rochedo, e, se tiver sorte, verá escaladores na subida até lá acima. No pequeno jardim, cá em baixo, muito arranjado, verá um painel explicativo sobre a geologia que o rodeia. As casas ali na zona têm um toque provincial, o que não espanta: como tantos outros bairros em redor da Praga Central, este foi em tempos uma localidade independente, absorvida pela grande cidade.

Um pouco mais à frente uma moderna ponte rodoviária atravessa o rio, com tabuleiros largos (são quatro faixas de rodagem para cada lado) e acessos que se cruzam num emaranhado.

Pobřežní cesta

Esta é uma paragem tristonha, sem grandes objectivos para além de servir alguns blocos habitacionais e uns quantos escritórios e pequenas indústrias.

Nádraží Braník

Branik é mais uma daquelas aldeias que, com o decorrer do tempo, especialmente durante o século XX, se foram agregando a Praga à medida que esta se expandia. A moderna Branik começa aliás na paragem anterior, mas é desprovida de interesse. Agora, em Nádraží Braník, sim, podemos ter um cheirinho da provinciana Branik, onde se destaca a fábrica de cerveja, com alguma projecção comercial, e uma das poucas que existe em Praga.

Mais à frente poderá observar-se uma ponte ferroviária de má memória: foi construida nos primeiros anos da década de 50, mas durante anos foi virtualmente inútil, pois apenas em 1964 os carris foram colocados. Mas esta é a melhor parte: a ponte tem dois tabuleiros paralelos, para tráfego ferroviário em circulação em sentidos opostos, mas um dos tabuleiros nunca foi utilizado, por uma simples razão: o túnel que se encontra à saída da ponte apenas tem espaço para um sentido de tráfego!

Černý kůň

Outra paragem sem grandes atractivos. Oferece acesso a um mal estimado parque junto ao rio, enquanto na direcção oposto se observa uma pequena floresta. É o carácter rural destes subúrbios de novo a ganhar forma.

Belárie

À primeira vista esta seria mais uma paragem desinteressante. Mas há aqui algo… entre a linha do eléctrico e a colina coberta de árvores que se pode ver a umas centenas de metros existe algum casario antigo que merece uma observação. E depois, seguindo essa rua, será encontrada uma escadaria que leva o transeunte até ao topo, à parte alta do bairro de Modrany, onde aqui e acolá tem pontos que oferecem uma vista excelente sobre o vale do Vltava. É um passeio ousado, quer porque a subida é pouco convidativa, quer porque o interesse será limitado para quem tem os dias contados em Praga. Mas este bairro de vivendas tem um charme que fica na memória.

Modřanská škola

O nome diz tudo: o eléctrico detém-se aqui para servir a escola de Modrany e algumas residências que lhe estão próximas.

Nádraží Modřany

Aqui está uma paragem “obrigatória”. Aqui se chega a Modrany antiga, e os edifícios logo ali, atrás da avenida “marginal” são testemunho desse passado. Um par de igrejazinhas chama a atenção. É também aqui que se apanha o autocarro para Tocna, um potencial passeio fora da cidade. Do outro lado do rio, pouco visível, o hipódromo de Praga, onde com frequência se organizam corridas, com apostas e tudo, como nos filmes. Esta é também a última paragem do 17 no seu percurso junto ao rio. A partir daqui, vai-se internar durante umas centenas de metros, afastando-se do Vltava, servindo um cinzento bairro de subúrbios.

Čechova čtvrť, Poliklinika Modřany, U Libušského potoka, Modřanská rokle, Sídliště Modřany

Esta sequência de cinco paragens serve uma área densamente povoada, um bairro tipicamente de subúrbio, construido maioritariamente nos últimos anos de governo comunista, com blocos de fraca qualidade. Para um checo comum viver num bairro destes é desprestigiante e motivo de embaraço. Se viver em Sídliště Modřany (“Sídliště” significa precisamente subúrbio urbano) a sua tendência será dizer que reside em Modřany. Uma pequena subtileza que faz toda a diferença. São cinco paragens numa linha de pouco mais de 1,5 km. Mas há aqui algo mais do que blocos residenciais. Do lado direito, chamada Ravina de Modrany, é um parque natural de pequenas dimensões mas grande beleza. A sensação de sair do eléctrico, andar 5 minutos e estar-se mergulhado na Natureza é algo de mágico. Um passeio que se recomenda.

Save

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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