Os primeiros dias de Praga, como sempre acontece com os primeiros dias de alguma coisa, foram aqueles que ficaram forjados na memória de forma mais sólida, cada contorno gravado para a eternidade, alimento puro para a nostalgia que um dia aparece. E serão milhentas as histórias e memórias que poderia contar dessas semanas, entre Outubro e Dezembro de 2007. Pessoas, locais, passeios e festas. Tudo apareceu tão rapidamente, tão compacto, que guardo a ideia que em dois meses vivi dois anos. E fica esta introdução feita para o que facto quero recordar.

O pub Tulipe, ali mesmo, ao virar da esquina, um minuto a pé. Já era um pouso habitual para o meu amigo e flatmate André, que me apresentou ao espaço. E logo se tornou meu também. O “Túlipa” era aquilo que eu sempre quis e nunca tive, um “cafézinho” de bairro onde vizinhos e amigos se encontrassem casualmente ou por plano. O sítio onde levar a visita pontual, o lugar onde se podia ir com a certeza que não se sairia sem dois dedos de conversa. Ficou-me no coração, confesso. Mas não durou muito. Já não me recordo se foi logo no meu primeiro período de ausência, quando no início desse Dezembro voei para Portugal para cá passar o Natal. Ou se foi mais tarde. Mas o que é certo é que num dos regressos, o André anunciou-me com uma expressão de desagrado:

– “Ah e antes que me esqueça… o “Túlipa” já não é o que era… aquilo foi vendido ou lá o que foi, e agora é só “pretos” [racismo à parte, é um facto que o comércio de droga em Praga está nas mãos da comunidade africana] e droga e um gajo entra lá e ficam todos a olhar…”.

E eu pensei para com os meus botões… “nada dura para sempre, e parece que quanto melhores são as coisas menos duram”. A vida seguiu em Praga, com os seus altos e baixos, nesse 2011 ainda com muitos mais altos do que baixos. O “Túlipa” foi-se enterrando no baú da memória, cada vez mais, até se tornar numa coisa do passado que apenas vinha à superfície casualmente, ou numa conversa que remetia para aqueles primeiros tempos, ou quando passava mesmo lá em frente e via aquilo quase vazio, com umas poucas figuras suspeitas, como que conspurcando a beleza que dali irradiava quando era o Ray – um tipo americano daqueles que vieram na primeira onda, lá pelos anos 90 – que mandava no tasco.

Pronto, fica feita a homenagem merecida aquele local onde fui tão feliz. Aquilo era sítio onde não importava para nada se se conhecia o cliente da mesa seguinte ou não: toda a gente falava com toda a gente, com uma naturalidade surpreendente. E havia o serão da música livre, quando se formava uma cacofonia de sons espontâneos. Enquanto uns usavam instrumentos à séria, outros acompanhavam com panelas, ou garfos, ou chaves, ou moedas, ou o que quer que produzisse algum som. As noites corriam, felizes, leves, como se não houvesse amanhã, pautadas pelo correr fácil da cerveja, que ao invés de embebedar, embevecia, sublimava tudo aquilo. E quando às tantas da manhã o caminho de cinquenta metros até casa tinha de ser feito, ninguém se importava com aquele ligeiro zigue-zague que enganava as pedras da calçada. Adeus “Túlipa”.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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