A Praça Kinsky e o Tanque Cor-de-rosa

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“Hoje em dia encontra-se exposto no Museu Militar Técnico de Lesany, e na praça Kinsky foi construida uma fonte no local onde antes se encontrava o monumento.”

A praça Kinsky (ou Kinsých, em checo) não desperta grande interesse no visitante. É certo que se encontra numa área relativamente central da cidade, e que por ela podemos aceder aos interessantes jardins Kinsky. Mas certamente não é o tipo de local que fica na memória de um viajante. Mas aqui se viveu uma história interessante, não há muito tempo, que hoje trago até si.

Na madrugada de 28 de Abril de 1991, uma estranha movimentação podia ser observada pelo noctívago casual que passasse na praça Kinsky. David Cerny, o polémico artista plástico checo, então um jovem de 23 anos, pintava de cor-de-rosa um tanque soviético exposto no local desde 1945, em homenagem à libertação de Praga do jugo alemão.

Três dias após o ataque artístico de Cerny e dos seus amigos, um camião carregado de soldados armados com baldes de tinta verde e pinceis chegou ao local. Passado um par de horas as autoridades haviam devolvido a cor original ao IS-2. Mas a história não se ficou por aqui: um grupo de quinze deputados parlamentares, gozando de imunidade, voltaram ao local e repintaram a pobre máquina de cor-de-rosa, em protesto contra a detenção de David Cerny.

Foi o suficiente para que o tanque fosse definitivamente removido. Hoje em dia encontra-se exposto no Museu Militar Técnico de Lesany, e na praça Kinsky foi construida uma fonte (Propadliště času) no local onde antes se encontrava o monumento.

Apesar da natural reacção dos simpatizantes comunistas, que até aos dias de hoje procuram trazer o tanque de volta ao seu pedestal, a generalidade da população não via com bons olhos o monumento. Na realidade, depois da intervenção soviética de 1968, os checos nunca mais viram os seus “libertadores” com bons olhos, e o tanque-monumento era geralmente associado a uma força de ocupação e não a um exército de libertação. Muitos viam um simbolismo escondido no número da torre, o 23: 1945 + 23 = 1968.

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Na realidade, a homenagem estava envolta em falsidade desde o início. Apesar do tanque exposto ser alegadamente o veículo que teria entrado em primeiro lugar em Praga, naquele mês de Maio de 1945, a verdade é que se tratava desde logo do modelo errado: o exército soviético entrou na cidade com uma unidade equipada com carros de combate T-34 (a 63ª Brigada de Tanques da Guarda, pertencente ao 10º Corpo de Tanques da Guarda), e o tanque “cor-de-rosa” é um IS-2. Além disso, o T-34 comandado pelo tenente Goncharenko foi destruído pouco após a sua entrada na cidade, durante os combates que se sucederam. Até o número de identificação pintado na torre do veículo – 23 – revelaria ao mais entendido que este tanque não poderia ter desempenhado o papel na História que as autoridades lhe atribuíam, já que o carro de combate de Goncharenko tinha o número I-24.

Resta dizer que o monumento foi erigido originalmente em Julho de 1945, na então praça Štefánik (Milan Rastislav Štefánik foi o primeiro ministro da Guerra da recém formada Checoslováquia, funções que ocupou apenas entre 1918 e 1919, tendo falecido num acidente aéreo nesse ano). Quando os comunistas tomaram o poder, em 1948, o monumento foi classificado como Monumento Cultural Nacional e a praça mudou de nome, passando-se a chamar Praça das Tripulações de Tanque Soviéticas.

Ah! Lembra-se da invasão das vacas em 2004? Havia-as por todo o lado em Portugal, pintadas de todas as formas e feitios. Na República Checa passou-se o mesmo, e uma vaca pintada de verde militar e com o número 23 em ambos os flancos foi colocada ali mesmo, ao lado da fonte. Estava planeado proceder-se à sua posterior pintura com tinta cor-de-rosa, numa encenação simbólica do gesto inicial de David Cerny, mas a pobre vaca foi vandalizada e o plano ficou assim gorado.

Já em 2008, Cerny voltou ao ataque, transportando para as imediações uma réplica cor-de-rosa de uma parte traseira de um tanque soviético, de forma ilegal, tentando encorajar a reflexão política sobre os novos sinais de expansionismo russo. Ilegal ou não, a verdade é que até hoje a peça se encontra por lá.

Como ir: A pé, sem problemas, encontrando-se na base da colina Petrin.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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